terça-feira, 17 de abril de 2012

TRATADO DE PALAVRA E MOVIMENTO


Felipe Cirilo
Graduando em Licenciatura em Dança, pela Faculdade Paulista de Artes.

Resumo

Este artigo pretende levar à reflexão e propõe a visualização de diferentes caminhos possíveis para o sujeito intérprete externar o que houver de mais interno em seus diversos âmbitos de criação e relação criativa: bailarino, ator, personagem, performer. Deve-se considerar a amplitude dessa tensão interna, em particular nas artes cênicas contemporâneas, posto que – ao criar a partir desse interior – surgem muitos conflitos e dificuldades sensoriais e metafísicas de grande valia ao criador de movimentos. Neste artigo veremos como toda a potência interna e subjetiva do intérprete pode preenchê-lo de conteúdo expressivo. Este estudo visa a compreender e identificar as maneiras como se mantém essa tensão o mais próximo de sua existência bruta, sem lapidações rotineiras e automáticas.

Palavras-chave: Bailarino, ator, intenção, expressão.

TREATY OF WORDS AND MOVEMENT

Abstract
This article aims to lead to reflection and proposes the visualization of different possible approaches to the subject interpreter voicing what there is more domestic in its various spheres of creation and creative relationship, dancer, actor, character, performer. One must consider the extent of internal tension, especially in contemporary performing arts, since - to create from this interior - many conflicts and difficulties arise and metaphysical sense of great value to the creator of movement. In this article we will see how all the power of the internal and subjective interpreter can fill it expressive content. This study aims to understand and identify the ways in which this tension is maintained as close to its brute existence, no stonings routine and automatic.
Keywords: Dancer, actor, intention, expression.

Introdução

O conceito de intensão é o fundamento que impulsiona a reflexão deste artigo.
O conceito de intensão abre um território que pode ser extremamente importante para o entendimento de alguns processos perceptivos e subjetivos do ser humano, os quais podem ser explorados, consequentemente, pelo intérprete. A importância de tal conceito se dá, portanto, na medida em que nos faz perceber a existência de diferentes níveis de articulação pessoal no sujeito. De fato, ainda segundo Dennett a “intensão” envolve uma capacidade específica, que é aquela de “fazer discriminação de granulação fina de modo indefinido”. Ou seja, o processo intensional surge na medida em que articulações profundas são desencadeadas no corpomente do sujeito. (BONFITTO, 2005)
[...]

Quanto ao título “Tratado de palavra e movimento”, a palavra “tratado” é usada não no sentido contratual de negócio fechado ou de acordo, nada absoluto, mas no sentido de refletir sobre o tratar daquilo que vive na expressão cênica, chama-se a atenção para a maneira como é tratado o que está como força motriz do sujeito que se coloca em cena, ativando-o sensorialmente, é esta força que, empregada de inúmeras tensões e influências as quais traz conflito, até ebulição, que visualiza-se como um impulso materializado na ação do intérprete, a intensão, o impulso artístico tratado singularmente pelo artista, seja pelas palavras ou pelo movimento. O objetivo é: através da reflexão sobre estes tratamentos contribuir para uma das grandes questões na arte contemporânea: a expressão.
Intensão, aqui como tensão interna, como impulso originalmente dialético, baseado no que afirma Bonfitto (2005) ao relacionar intenção ao esquema: sentido e significado, ou signo.

De fato, pensar sobre os processos intensionais nos ajuda a compreender, por sua vez, os processos de instauração de sentido. [...] instaurar um sentido tem como resultado a produção de signos não traduzíveis ou que oferecem uma zona bastante restrita de decodificação. Desse modo, os processos intensionais adquirem um valor específico, na medida em que nos fazem perceber um caminho, nos mostram a existência de possibilidades que podem estar envolvidas no processo de instauração de sentido. (BONFITTO, 2005)

Esse expressar da intensão ganha caminhos particulares ao tratar de movimentos.


Discussão

Tome-se como referência dança e teatro, e nestas duas vertentes cênicas de Arte, contidos: esperança e prazer. Esperança contida no ato de comunicar, que pressupõe a esperança de ser “ouvido”, realizar uma comunicação; e o prazer, como habitante desse ambiente em que se realiza o expressar da intensão.
Tomemos o prazer primordialmente como habitante do corpo, baseado na circulação do sangue, hormônios e outros fenômenos orgânicos. Brecht afirma:
Mas o teatro pode proporcionar-nos prazeres fracos e prazeres intensos (complexos). Os últimos surgem-nos nas grandes obras dramáticas e desenvolvem-se até alcançarem um apogeu, do mesmo modo que o ato sexual, por exemplo, alcança sua plenitude no amor; são mais diversificados, mais ricos em poder de intervenção, mais contraditórios e de conseqüências mais decisivas. (Brecht, 1978)

Brecht, aqui se refere ao prazer que é provocado pela ação cênica, no caso o teatro, ou seja, um prazer que habita o espectador. O que este artigo ressalta é o prazer do intérprete criador, que se encontra na intensão externada que, se comunicada de maneira pura, encontra-se com o prazer do espectador. A partir do momento em que a tensão interna é exteriorizada em palavras, ela caminha pelo esôfago, pregas vocais, faringe, língua, boca e é encerrada em uma palavra, que não se realiza comunicativa e claramente se solitária, portanto mais tensão é necessário ser exteriorizada, a fim de produzir mais palavras – para pleno entendimento do ouvinte/espectador (MALANGA, 1985). Se, ainda assim, não se concretizar a comunicação, que é o ato que nasce na esperança do emitente, a intensão continua a ser saturada em um violento filtro de intelecto racional que, por sua vez, estabelece uma estrada de razão, percorrida até a absorção do espectador, esbarrando e se modificando em meio a razões sociais, também já preestabelecidas em palavras. Ou seja, o prazer é posto a caminhar num plano bastante diferente do seu natural: dentro do corpo. “emigrar do reino do aprazível” (Brecht, 1978).
Não afirmo aqui a morte do prazer no ato de particionar intenção encerrando-a em palavras. Encerra-se a intensão, inicia-se a palavra, são estradas diferentes. Imagine que para ir até a casa de seu vizinho, em vez de pular direto da sua janela para a janela dele, você caminhe até a sua porta, caminhe pela calçada até a porta dele e entre; ou saia de sua casa entre num carro, dirija até o aeroporto, embarque num avião que decola, voa, pousa, então você dirige outro carro até a casa dele e entra. Nessa situação mais extrema e aventureira, o prazer pode permanecer, porém ganha diferentes informações e forças, é combinado, refinado até completar a sua comunicabilidade.
Voltando ao habitat natural e original do prazer, o corpo, ressalte-se a capacidade de comunicar sem o uso da fala. Os instintos proporcionam movimentos, os quais nem chegam a passar por determinadas regiões de raciocínio do cérebro, são “preeducados”, e isso desde um simples espirro até um levantar e fechar a porta por sentir frio, movimento espontâneo e puro de intensão.
A intensão se faz visível em qualquer movimento ou parte do corpo. É importante lembrar que, de diversas maneiras, o expressar corporal já foi codificado, desde estudos de linguagem corporal, técnicas de dança, mímica, até libras.
Subjetividade. No momento em que a comunicação abre mão de códigos, ela deixa de ser objetiva de maneira comum e passa a existir subjetivamente, ela se passa no íntimo do sujeito, assim os movimentos abrem janelas no corpo e expõem a intensão no ser que se move.
Aqui, a reflexão proposta por este artigo, alcança sentido humanamente artístico. Esse ato de abertura nada mais é que o fluir da intensão livremente em seu próprio habitat e o ato de aceitar a maneira como, natural e diretamente, a intensão é impulso relacional do próprio corpo, é o que o faz mover, a relação do impulso e o resultado no movimento, quanto maior o impulso maior o movimento, mais tonos há nele.
A intensão tratada pelos movimentos pode não saltar da própria janela para a janela do espectador, o que pode agressivamente impossibilitar o ato da comunicação, porém a presença dos movimentos e o abrir das janelas lidam com um espectador ativo.
A maneira e a potência que o movimento tem de estabelecer a comunicação subjetiva são, por muitas vezes, motivo de conflito, não só na dança, mas também com relação às diferentes maneiras e potências usadas hoje, na arte contemporânea em geral. Essas diversas formas de expressão ganham dimensões que podem colocar a intensão em um barco a deriva, em alto mar e, se possível, engolida por um tubarão, seriamente corre-se esse risco. O menor risco está na sinceridade artística dos movimentos para com a intensão, que nada mais é que o impulso humano original.
Voltando ao expectador ativo, este também possui o seu impulso humano original e seu prazer, ele procura receber, recepcionar, mas o seu impulso também pode fazê-lo compartilhar, não no corpo físico, nem no campo das palavras, mas exaltar sentimentos, memórias, experiências próprias e pensamentos que constituem a manifestação artística, o ritual chamado espetáculo, em que a intensão do corpo cênico em seu estado mais puro, se expõe e faz expor, num diálogo sem palavras, em que a esperança é realizada, e o prazer é multiplicado.


Conclusão

Humanamente artista. A dialética que surge às luzes do sentido exposto por Bonfitto (2005), é que naturalmente vai colocar em atividade as diversas opiniões do artista preenchido de conteúdo expressivo e de uma energia (que se pode considerar, quase que holisticamente, a energia vital de qualquer ser humano) singular em sua essência, existente em diferentes amplitudes, sem aferir caráter qualitativo.
Em outras palavras o artista passa a buscar referências em sua própria existência humana que de fato é única; logo, nova, a partir de qualquer concepção já criada.


Bibliografia
BONFITTO, Matteo. Sentido, intensão, incorporação: primeiras reflexões sobre diferentes práticas interculturais no trabalho do ator. 2005. Disponível em: http://www.eca.usp.br/salapreta/PDF05/SP05_02.pdf acesso em 14/03/2012.
BRECHT, Bertolt. Estudos sobre teatro. Tradução de Fiama Pais Brandão. Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1978.
MALANGA, Eliana. Comunicação e Balê. Editora Edima, 1985.

4 comentários:

Felipe disse...

Pra resumir bem como o ator vê a dança, essa frase é muito boa:
“Viver é movimentar-se. A dança é uma forma condensada e estilizada da vida. Todos os elementos da dança são encontrados na vida. Uma dança mesmo que perfeita, será sempre medíocre se o coreógrafo e o bailarino não tiverem nada a dizer. Um movimento sem motivação é inconcebível para o bailarino.” Doris Humphrey

Anônimo disse...

Legal phill, vou ler logo mais seu artigo!!!!!
Pig

Anônimo disse...

Legal phill, vou ler logo mais seu artigo!!!!!
Pig

Felipe disse...

Ok! Movimento, é preciso.

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